O Garoto que Colecionava Homem-Aranha livros
Postado em: 17 de agosto de 2017
Definitivamente estamos vivendo uma era em que os super-heróis estadunidenses dos quadrinhos estão atingindo um alto grau de popularidade. Não necessariamente por conta das publicações impressas, estas cada vez menos populares, mas sim em função cinema. Os dois maiores nomes do ramo, Marvel e DC, anualmente apostam suas fichas em um – ou até mais – longa(s) que estrelem suas personagens.
Entretanto, vale voltar ao começo de tudo e se aprofundar nas HQ’s que construíram toda a identidade dessas figuras hoje tão icônicas. Se estamos acostumados a entender tais personagens como defensores da justiça, protagonistas de grandes sagas contra vilões poderosíssimos chega ser interessante ver tais entidades em situações pouco costumeiras a esse contexto. E por que não o Homem-Aranha, o “mais humano” dos super-heróis?
É sempre difícil não cair nessa vala, mas não tem como deixar de se identificar com a figura de Peter Parker. Um cara pobre que tem sua luta diária mesmo que sendo detentor de superpoderes e agindo como combatente do crime, sempre acompanhado de uma metralhadora de piadinhas. Ao tirar a máscara de sua outra persona, temos um cara não muito diferente de qualquer um de nós. Os problemas com grana, os fardos que carregará eternamente, os dilemas…Tudo aquilo que lidamos no nosso cotidiano.
Talvez por isso eu não consiga imaginar outra figura ideal para estrelar esse pequeno conto, que foi criado de maneira despretensiosa apenas para completar uma edição de sua revista mensal que precisava ser fechada. Por estar bastante próximo do cotidiano do cidadão comum esse personagem tende a lidar com questões que ultrapassam suas “funções básicas” de herói.
Na história, o cabeça de teia descobre por meio de uma matéria no jornal a existência de Timothy Harrison, um garotinho absolutamente fascinado por sua figura e que possui uma enorme coleção de itens a seu respeito. Determinado a sempre ajudar as pessoas, nosso protagonista resolve visitá-lo com a finalidade de conhecer um pouco mais sobre seu maior fã e realizar seu desejo.
Tudo é construído de maneira brilhante. As conversas entre Peter e Timothy são intercaladas com passagens da citada matéria de jornal que servem para dar maior tridimensionalidade ao garotinho. A história é calcada em uma conversa simples, franca e amistosa entre os dois. Há nitidamente uma construção duma relação de amizade entre eles, a ponto do diálogo entre os dois personagens ficar tão envolvente, íntimo, que o super-herói em determinado ponto começa a desabafar com o garoto, que acaba por ser um ombro amigo, sobre questões que o afligem como os dilemas do combate ao crime, o peso que carrega sobre a morte do Tio Ben e suas responsabilidades.
Próximo ao final, quando Aranha se prepara para despedir-se e ir embora, o garotinho faz a ele um pedido: que revele sua identidade. Peter pensa, reluta, mas acaba por fazer e não apenas mostra seu rosto como revela seu nome e sua profissão formal. Timothy promete que guardará esse segredo com ele para sempre e ao final ambos se abraçam.
Logo em seguida, uma cena panorâmica mostra o personagem principal em cima do muro que está em volta do local em que se encontra o garoto, colocando a mão sobre o rosto (demonstrando nitidamente tristeza) e no quadro seguinte há o maior soco no estômago que a história poderia proporcionar, um plot twist insano. Depois de tantas aventuras, Homem-Aranha lida diante um inimigo que não pode vencer.
A revelação devastadora ao final do conto mostra que por mais espetaculares sejam os super-heróis eles não vão conseguir salvar todas as vidas. Muitas coisas estarão fora do controle até mesmo deles. Até hoje, “O garoto que colecionava Homem-Aranha” é uma das mais célebres histórias envolvendo o cabeça de teia e uma das mais clássicas dos super-heróis em geral. Um história simples, cativante, melancólica, inteligente bem aos moldes do mestre Will Eisner – influência já admitida por Roger Stern, autor da história.
Um conto capaz de mostrar que histórias em quadrinhos podem ter um valor social grande e que há muitas possibilidades a serem exploradas dentro do tema “super-herói”. Para ser um herói, como mostrou aqui Peter Parker, nem sempre são necessários poderes. Gestos podem engrandecer e dar sentido a uma vida.
Citação: “Essa história é dedicada a todas as crianças que sonham…Especialmente aquelas que nunca viverão para ver seu sonho realizado.”
Essa história pode ser encontrada no almanaque “Marvel: 40 anos no Brasil” lançado pela editora Panini.